Umidade e Simpatia: Não é um novo grupo de pagode, mas sim a realidade de dois sobrados cariocas
CARAS DO RIO
Uma coleção de quartos e várias vidas morando em um único imóvel.Os sobrados continuam sendo a opção para muitos seres humanos, principalmente aqueles sem boas condições financeiras.Em visita a duas instalações no centro do Rio, constatou-se a presença de pessoas simpáticas e que convivem em espaçose com pouco arejamento e , por isso, úmidos.
Na rua São Félix, atrás da Central do Brasil, um dos sobrados abriga há quatro anos o senhor Leandro Torres , que conversade maneira bem aberta sobre a vida dos seus vizinhos;nunca falando mal.Ele aluga um quartinho, que nem banheiro tem.Lavar roupa e tomar banho são coisas que ele faz nas dependências coletivas.
Com 86 anos e conservado--qualquer um diria -- Leandro, aposentado há 30 anos quando deixou de consertar elevadores, vive num quartinho com cama, uma televisão catorze polegadas, cadeiras, estantizinhas e pouca coisa a mais.Mas tudo bem arrumado.Ele paga pelo quarto 165 reais e está satisfeito.Diz que o local é tranqüilo.
Perto dali, na rua da Lapa, no bairro de mesmo nome, outro sobrado.No número 264, a instalação já serviu como teto a um ilustre personagem da literatura brasileira, que completa em 2008 o centenário de sua morte.Machado de Assis morou por um ano e meio durante o século XIX , antes de se mudar para o Cosme Velho.
Hoje, mais de um século depois, todos as vagas estão preenchidas.Por crianças , idosos, adultos e até professores.Dona Gláucia Sampaio , há 30 anos ali, o que lhe garante o título de moradora mais antiga, mora com seu filho, docente de língua portuguesa e inglesa.
Mas além de contar com pessoas bem receptivas, os sobrados guardam outros traços em comum:A umidade e a necessidade de reformas. Na maior parte deles, o cheiro de mofo predomina pois a luz do sol pouco penetra, situação facilitada pela própria estrutura.
São construções de dois andares e três andares-- de acordo com a ordem de citação na matéria -- e bem compridas, sem janelas laterais, o que dificulta bastante a circulação de ar- menos pior na da rua atrás da Cental do Brasil. Os telhados,de material que lhes conferem uma quase transparência ,amenizam a escuridão.Mesmo assim, ambientes propícios para desenvolvimento de problemas respiratórios.
Aparentemente, na hora da reportagem, ninguém parecia sofrer de tal mal.Mas na instalação da Lapa , onde todos pagam aluguel, outra coisa preocupa bastante os inquilinos:A desocupação.Dona Gláucia, por exemplo, revelou que não tem para onde ir, nem para casa de amigos ou parentes.
O desalojamento que poderá botar várias pessoas na rua não foi idéia do proprietário, mas sim da prefeitura do Rio, desejosa em tombar o imóvel .Justamente em razão de ter sido a residência de Machado.No entanto, os atuais habitantes , que souberam da notícia via mídia, não receberam nenhuma notificação para abandonar o lugar—e nem mesmo o dono, segundo informou uma funcionária que trabalha na imobiliária Adibem, que presta serviços a ele.