PLANETA EM MOVIMENTO

quarta-feira, 25 de março de 2009

ENTRE, A RUA É A MINHA CASA

A rejeição, a rotina perigosa e as histórias de vida interessantes e tristes dos moradores de rua

Eles estão espalhados pelo mundo afora. Viraram parte da paisagem de muitos locais. No Rio de Janeiro são encontrados em tudo quanto é bairro, deitados nas calçadas próximas a hotéis de luxo e de comunidades carentes. Os mendigos, figuras de diferentes tipos, tantas vezes tão ignorados e rejeitados, costumam ter uma rotina perigosa e muitos possuem histórias de vida interessantes e tristes.
Basta andar um pouco pelas ruas de Copacabana, Tijuca e Maracanã para ver vários moradores de rua, crianças, adultos e idosos. Alguns deles têm residência e família, outros são completamente desprovidos de parentes e de um teto próprio. Dentre os motivos de estarem onde estão, para quem desfruta do poder de escolha, é a busca da liberdade e a facilidade de ganhar trocados. Nem todos ficam diariamente, pois retornam às suas casas aos finais de semana.
José Albuquerque, 40 anos, mora na Baixada Fluminense e trabalha no Centro da capital fluminense. Mas, segundo ele, somente às sextas-feiras retorna para São João de Meriti, por falta de condições financeiras para pegar dois transportes por dia. De segunda a quinta-feira, ele arranja um canto entre as vias de construções antigas nas proximidades da Uruguaiana e, com sua mochila, dorme com a lua sobre si esperando o sol nascer.
Os perigos que os moradores de rua temporários e permanentes estão sujeitos são vários. Eles estão expostos a sujeira e, conseqüentemente, mais propícios a contraírem infecções e doenças. Por não estarem em nenhum abrigo, a não ser uma marquise ou as copas de árvores, são vítimas mais vulneráveis de confusões que ocorrem no meio da rua, como brigas entre torcidas, com ou sem tiroteio. Enquanto dormem, o risco é sofrerem a ação criminosa de homens mal intencionados, como ocorreu há cerca de dez anos com o índio Galdino, morto em Brasília por jovens que puseram fogo em seu corpo.
O maior incômodo para alguns mendigos é o preconceito das pessoas, as quais geralmente viram o rosto, olham feio, consideram-nos como um objeto qualquer. O cheiro desagradável, o aspecto e os pedidos são as maiores reclamações em relação a eles. Alguns são abusados, sujam os ambientes e são chatos, insistem para conseguir obter moedas ou um lanche e existem aqueles que ameaçam os pedestres e cometem furtos e roubos, as minorias que denigrem a imagem de todos.
Ao redor do principal campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, existem muitos menores e jovens estirados exatamente nos lugares de passagem. Alunos da Uerj reclamam da quantidade desses sujeitos e dizem que eles constantemente abordam as pessoas que freqüentam a região. “Evito comer alguma coisa ou abrir a carteira nas ruas em volta da Universidade, pois quase toda a vez os menores insistem para que eu lhes entregue o que estou comendo ou para que eu compre um biscoito ou salgado para eles”, disse Rita de Cássia.
No entanto, muitos moradores de rua respeitam o restante da sociedade e fazem suas abordagens sem quererem forçar a doação. Existem os que carregam um pote consigo e se dão o trabalho de apenas balançá-lo e os que, com crianças pequenas, comovem e recebem notas e moedas com a maior facilidade. Nem todos dependem da esmola alheia. Uns catam materiais reciclados, fazem crochê, vendem doces, tocam instrumentos musicais e até são clientes de bancos. Mensalmente sacam sua aposentadoria.
João Gigante, com mais de setenta anos, perambula pela Grande Tijuca, vive do lado do asfalto e está aposentado. Ele, entretanto, é proprietário de uma casa em um dos morros da localidade, com móveis, água encanada, eletricidade e o mínimo de conforto. Sua decisão em residir em meio ao trânsito de veículos e pedestres veio depois de uma infelicidade. Sua amada esposa, casada com ele há décadas, faleceu e a ferida em seu coração foi tão grande, ficou tão desgostoso, que decidiu por largar todos os seus bens se entregar à vida, “sem a razão de ser”.Talvez para esquecer da sua tristeza, nunca deixa de beber sua pinga nos bares da região da Muda, onde é bastante conhecido.
Assim como João, determinados seres humanos que fazem do espaço público o seu lar ganham uma fama regional, municipal ou nacional. Na zona norte outros dois mendigos se destacam. Uma senhora que se estabelece em frente a um clube e um rapaz que vive com um caderno e uma caneta. Ela é conhecida por varrer a calçada do Tijuca Tênis Clube e ele ganhou fama por seus rabiscos e pela alcunha “ mendigo escritor”. Mas a celebridade do país é o profeta Gentileza, que, depois de uma tragédia em seu circo, se desprendeu das coisas materiais e, ao contrário do Gigante, se abriu para o mundo com o propósito de distribuir amor, compaixão e crítica social pelas rotas brasileiras, sobretudo cariocas.

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